1. Introdução
História trágica de amor entre o português Martim e a Índia tabajara Iracema, que ganhou fama de ser a principal obra do Movimento Indigenista de nosso país buscando contar a história mítica da nossa origem nacional.
2. Sinopse
A história se passa em 1600 com Martim, um português encarregado da defesa do território brasileiro, na localidade que hoje é o Ceará, mas acaba se perdendo na floresta. Iracema, a índia tabajara que é "a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira" se depara com Martim enquanto descansava sobre as árvores e pensa se deparar com um inimigo, motivo que a faz atacá-lo com uma flecha. Martim não se defende e Iracema então crê que não deveria tê-lo ferido e aproxima-se dele:
A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a flecha homicida: deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada. O guerreiro falou: — Quebras comigo a flecha da paz? — Quem te ensinou, guerreiro branco, a linguagem de meus irmãos? Donde vieste a estas matas, que nunca viram outro guerreiro como tu?
Iracema leva o ferido para sua aldeia para tratá-lo, onde é bem recebido, com exceção de Irapuã, índio apaixonado por Iracema. Nessa estadia inicia-se o romance entre Iracema e Martim e o conflito moral de Iracema: esta é uma virgem guardiã de um licor sagrado de Jurema, tendo ela portanto um tipo de voto religioso de castidade.
A história avança com festejos sagrados e guerras nas quais Martim participa com os tabajaras. E nesse desenrolar da história chega um momento em que a índia quebra seu voto de castidade com Martim:
Iracema recosta-se langue ao punho da rede; seus olhos negros e fúlgidos, ternos olhos de sabiá, buscam o estrangeiro e lhe entram n’alma. O cristão sorri; a virgem palpita; como o saí, fascinado pela serpente, vai declinando o lascivo talhe, que se debruça enfim sobre o peito do guerreiro. Já o estrangeiro a preme ao seio; e o lábio ávido busca o lábio que o espera, para celebrar nesse ádito d’alma o himeneu do amor.
Isto condena a índia à morte, porque quebrou o voto sagrado e inspira também ódio a Martim, de modo que os tabajaras com a liderança de Irapuã e Caubi, irmão de Iracema, passarão a perseguir o casal.
Iracema e Martim fogem da aldeia tabajara e vão da floresta para o litoral, refugiando-se numa cabana construída por Martim numa praia abandonada.
Martim, no entanto passa muito tempo fiscalizando o litoral para evitar inimigos, momento este que ele faz uma aliança com Poti, índio pitiguara e nesse contexto ele chega a fazer espécie de celebração guerreiro-iniciática a Tupã, onde consagra-se irmão de Poti e defensor de Iracema.
Nesse contexto, Martim passa boa parte do tempo melancólico com saudades de sua terra natal, Portugal, enquanto fiscalizava as terras. Já Iracema passa muito tempo sozinha, preocupada e sofrendo sozinha na cabana e pensando que sua morte seria a libertação de seu amado. Nesse contexto que ela se percebe grávida. Gesta e tem este filho sozinha, dando a ele o nome de Moacir, que quer dizer "filho do sofrimento".
O parto e a tristeza profunda de todas essas desventuras faz Iracema morrer de tristeza, mas não sem antes ver Martim pela última vez, estendendo seus braços para lhe entregar o filho Moacir em suas mãos, e nesse último suspiro dramático assim morrer.
— Recebe o filho de teu sangue. Era a tempo; meus seios ingratos já não tinham alimento para dar-lhe! Pousando a criança nos braços paternos, a desventurada mãe desfaleceu como a jetica se lhe arrancam o bulbo. O esposo viu então como a dor tinha consumido seu belo corpo; mas a formosura ainda morava nela, como o perfume na flor caída do manacá. Iracema não se ergueu mais da rede onde a pousaram os aflitos braços de Martim. O terno esposo, em que o amor renascera com o júbilo paterno, a cercou de carícias que encheram sua alma de alegria, mas não a puderam tornar à vida: o estame de sua flor se rompera. — Enterra o corpo de tua esposa ao pé do coqueiro que tu amavas. Quando o vento do mar soprar nas folhas, Iracema pensará que é tua voz que fala entre seus cabelos. O lábio emudeceu para sempre; o último lampejo despediu-se dos olhos baços.
Depois do desfecho trágico, Martim sai de seu refúgio com o filho para Portugal, mas só tem paz ao retornar para a terra onde sua amada Iracema morrera: é agora um brasileiro. E volta com outros portugueses "para fundar com ele a mairi dos cristãos". Poti ali é batizado e junto com Martim passam a avançar sobre as terras brasileiras, não sem mencionar a saudade de Martim pelos tempos de felicidade que viveu com Iracema.
3. Crítica
Sem dúvida que o poeta brasileiro tem de traduzir em sua língua as ideias, embora rudes e grosseiras, dos índios; mas nessa tradução está a grande dificuldade; é preciso que a língua civilizada se molde quanto possa à singeleza primitiva da língua bárbara; e não represente as imagens e pensamentos indígenas senão por termos e frases que ao leitor pareçam naturais na boca do selvagem. (...) O conhecimento da língua indígena é o melhor critério para a nacionalidade da literatura. Ele nos dá não só o verdadeiro estilo, como as imagens poéticas do selvagem, os modos de seu pensamento, as tendências de seu espírito, e até as menores particularidades de sua vida.
Mas nada soa natural nessa obra, e sim, bastante artificial. O público letrado tem o gosto romântico e não aceitaria a história de outra maneira. Hoje, esse tipo de literatura mais entedia o leitor moderno do que entretém.
Há certos trechos da obra que parecem não fazer sentido, como Martim que faz um rito de guerreiro ao deus Tupã: ele apostatou-se e deixou de ser cristão? Não é o que se indica ao fim da obra, em que seu irmão Poti é batizado: isso, suponho, mais parece querer demonstrar um honroso intercâmbio entre o índio e o português, amizade esta que formaria uma identidade do povo brasileiro.
Talvez essas pequenas contradições sejam os senões que José de Alencar diz na mesma carta citada acima de que percebeu ao reler a obra, mas o fato de ter publicado a obra às pressas não o permitiu uma revisão.
Bem ou mal, esta principal obra do movimento indigenista tem inspirações históricas: Martim Soares Moreno realmente existiu e participou da exploração da capitania do Ceará, onde conheceu Poti, que depois do batismo veio a se chamar Antônio Felipe Camarão. É hoje reconhecido e honrado como capitão-mor do Ceará, e teve um papel fundamental no reconhecimento do Tratado de Tordesilhas, vez que este lutou pela coroa lusitana expulsando os holandeses que ali haviam naquelas terras.
É necessário numa história mítica buscar certas origens históricas. Na história antiga os gregos tiveram como mito fundador a guerra de Tróia contada na Ilíada de Homero. Também outros países buscaram inspirações em histórias reais para se contar histórias míticas de homens excelentes (na espanha, El Cid; na França, Amadis de Gaula). Esse tipo de história parece apresentar um tipo de história honrosa e propor como modelo de humano um certo tipo de "homem excelente" perante o qual serve de modelo para uma unidade nacional.
Não poderia ser diferente em nosso país: recentemente declarado a independência, o chamado movimento indigenista buscou nos elementos da terra e no índio os materiais para identificar esse tipo de modelo de herói. Por isso, apesar do nome de Iracema, penso o personagem principal ser realmente Martim. Iracema é, de fato, muito passiva nessa história, sofrendo e padecendo durante todo o percurso. É como que "raptada" (algo como o Rapto das Sabinas) por Martim e nessa união é que se formará o povo brasileiro: Moacir, isto é, o caboclo, é quem é proposto como a raça brasileira.
O problema da raça não era pequeno para a época: a identidade nacional, como se entendia, supunha uma unidade de um povo; esta unidade compunha-se também por uma certa unidade racial (que depois da genética e sobretudo das consequentes grandes guerras do século XX isso tudo veio a cair por terra, mas era algo que preocupava na época: lembram-se da teoria do embranquiçamento que Pedro II chegou a adotar?).
Mas apesar das paisagens e o conhecimento das línguas indígenas, apenas o agrupamento de elementos materiais não é suficiente para a formação de uma unidade nacional. Esta questão permaneceu em aberto e creio que essa tentativa artificial acabou atraindo mais tarde sátira ao indigenismo: o herói sem caráter, Macunaíma de Mário de Andrade.
4. Significado
E partiram de Betel. Quando estavam a pouca distância de Éfrata, Raquel deu à luz, e o seu parto foi penoso. Durante as dores do parto, a parteira disse-lhe: “Não temas, porque ainda terás este filho”. E, estando prestes a render a alma – porque estava já agonizante – ela chamou o filho de Benoni; o seu pai, porém, chamou-o Benjamim. Raquel expirou e foi sepultada no caminho de Éfrata, hoje Belém. Jacó erigiu uma estela sobre seu túmulo; é a estela do túmulo de Raquel, que existe ainda hoje.